quinta-feira, 2 de julho de 2009

Capitulo 3:

A fuga.

Recobrei a consciência em pouco tempo – creio eu – mas não abri os olhos imediatamente. Fiquei ali deitada, meio morta, tentando me enganar e dizer que tudo não passou de um sonho, mas não adiantou muito. Foi tudo extremamente intenso, para dizer que não aconteceu.
Levantei calmamente. Decepcionada, magoada com as palavras de Phill.
Olhei-me no enorme espelho em meu quarto.
Indagava a mim mesma onde estaria Rafe. O que estaria fazendo ou se estava bem. O medo crescia novamente em mim, ao perceber que eu não poderia responder nenhuma das perguntas.
As lágrimas me vieram em seguida, mas as conti, não queria chorar mais, queria agir, tira-lo do palácio real a qualquer custo.
Eu sabia que aonde quer que ele fosse, estaria apavorado.
Tinha medo de qualquer pessoa que não conhecesse.
Durante todo o tempo que Rafe esteve comigo, ele mais parecia uma criança de dois anos. Era como se tudo fosse novo, ele se impressionava fácil, até com minhas roupas!
Sorri sozinha.
Sentia falta da inocência dele.
Somente aí percebi que não ouvira nenhum barulho desde meu despertar. Corri até a sala, mas não havia ninguém. Fui até a cozinha, então, e encontrei todos lá. Maya a tricotar, meu pai a ler um livro, minha mãe a cozinhar e Cassandra parecia chorar sobre a mesa. Apenas Phelip não estava presente.
Senti falta das trapalhadas que as asas de Rafe causavam na cozinha – ele derrubava tudo pelo caminho, pobrezinho.
- Está melhor minha filha? – perguntou meu pai. – Me parece pálida...
Não respondi, a voz não saiu. Olhei novamente para Cassandra que se esfolava de chorar.
Meu coração de repente apertou. Ela choraria por um finado?
Meu pai olhou-a também.
- Pare com isso! Já disse que ele não vai voltar! – gritou.
Não adiantou muito.
Ela soltou um doloroso gemido e correu para algum canto da casa. Eu certamente tinha razão.
- Estou avisando de antemão. Não quero mais ouvir o nome ‘Rafe’ aqui!
– continuou ele.
Juro que tentei obedecer meu pai. Mas era mais forte que eu!
Existia uma vontade em mim de vê-lo, de saber como estava, e se ainda estava vivo. E como eu nada fazia, me sentia como se tivesse algo dentro de mim, impelindo para sair. Eu parecia que ia explodir!
Naquela tarde eu andava de um lado para outro dentro de meu quarto procurando uma solução, enquanto Sandra se esgoelava no outro cômodo.
Foi quando a solução bateu a minha porta.
- Samantha? – ouvi Angelinne chamar.
Caminhei ligeiro até a porta, e lá estava ela.
Com um triste sorriso nos lábios e seus cachos castanhos. Sempre bem arrumada, sua expressão me transpassava tranqüilidade.
Abracei com força minha velha amiga. Estava muito feliz em vê-la.
- Que saudade de você... Faz tanto tempo que não há vejo. – disse.
- É verdade que o anjo estava aqui? – me perguntou chocada.
- Entre. – respondi fechando a porta. Sentamos em minha cama e abaixei minha cabeça para admitir o ocorrido. – Eu o achei na floresta. Estava muito ferido, ainda está na verdade, mas era o ser mais lindo que eu já havia visto. O trouxe pra casa e o tratei. – dei um longo suspiro – foi isso.
- Mas ele tem mesmo asas? - sorri com a pergunta.
- Tem sim, brancas e enormes.
- Nossa eu queria tê-lo visto. Preciso de bênçãos.
- Ele conversava muito comigo, sabe. Nossa, quando me lembro dos olhos dele. – fechei os olhos e respirei fundo.
Olhei para Angelinne, mas ela me olhava abismada.
- que foi?
- Sam! Nunca a ouvi falar de alguém assim? Apaixonou-se por ele?
Pensei em dizer não. Mas não queria mentir, nem adiantaria. Angelinne era minha amiga desde que eu havia chegado da casa da minha Tia, poucas pessoas me conheciam tão bem como ela.
O que mais poderia dizer? Comecei a chorar.
- Não sei como isso foi acontecer! – gemi com dificuldade.
- Sam isso é suicídio! Tem que tirar isso do seu coração senão... senão...
- ...eu vou ser queimada como herege. Eu sei. - respondi me controlando.
- Então.
- Então, que mais fácil é dizer do que fazer. Não se apaga sentimento. Não pense que não tentei! Mas quando eu via os olhos dele, a ingenuidade que ele tinha, as coisas que ele me dizia... – proferi sorrindo sem perceber. – não tem jeito. Ele é apaixonante.
- Você perdeu o juízo.
- Quando se ama, não existe juízo! – levantei e parei um pouco para pensar – Você tem que me ajudar a tirá-lo do palácio!
- O que?
- Você trabalha lá não é? Como empregada?
- Sam, não posso perder meu emprego! – levantou também, assombrada.
- Não estou dizendo que vai perdê-lo! Ninguém vai saber que foi você!
- Não!
- Por favor, Angie!
- Se você não desistir dele, vai morrer! E mesmo assim sua alma irá queimar por toda eternidade! É isso que você quer? – gritou para mim.
Demorei um pouco para responder.
- Se ele estiver bem, não me importo de arder nas labaredas do inferno.
Vi que ela espantou-se mais ainda. Mas minha intenção não era chocar. Eu amava Rafe mais do que qualquer coisa ou pessoa. Eu refletia primeiramente nele, para depois refletir em mim.
- Você tem certeza? Tem certeza que o ama tanto assim? – me perguntou.
- Tenho.
Ela pegou em minha mão.
- então eu a ajudarei, porque sei o que é amar alguém proibido. – sorri para minha amiga e a abracei.
Eu sabia que ela falava sobre seu romance com meu irmão Philip. E tenho que admitir que sempre tive um pouco de pena dos dois. Mas hoje compreendo o sofrimento deles.
Angelinne era jovem e bonita, mas era proibida de casar pelo insano do pai. Ele queria que ela terminasse sua juventude cuidando dele, como se ele fosse um inválido.
- Assim que puder eu arranjo uma possibilidade de colocá-la dentro do castelo e você foge com ele.
- Como? - Ela sorriu da minha distração.
- Ele não tem duas asas de enfeite. – dessa vez eu também ri.
- Como vou saber onde ele vai estar?
- Ele está no quarto mais alto, perto da torre, com grades na janela.
Horrorizei-me com o fim da frase. Estavam mantendo-o prisioneiro?
- Ele está preso?
- Bem... Pelo que me contaram, ele vive num conforto irreal, mas não pode sair do quarto de forma alguma. Até a casinha foi colocada lá dentro!
- Mas porque isso? – perguntei chocada, aquilo tudo era ridículo!
- Ele tenta fugir sempre que pode, e a força que ele possui é tão grande que os homens da rainha não conseguem segura-lo por muito tempo, então a solução é prendê-lo. - me emocionei com aquilo tudo. Logo estava chorando novamente. – Não se preocupe. Tiraremos ele de lá.
- Venha. Vamos ver Phill. – disse para disfarçar meu desalento. Deu certo ela prontamente abriu um sorriso e passou a minha frente para abrir a porta. Passamos pela cozinha e descemos escadas até um cômodo embaixo da casa.
Lá havia uma mesa com vários vidros de líquidos com cores diferentes, e instrumentos estranhos. Encontramos Phelip de costas para nós trabalhando em um pedacinho de tecido branco – no qual não reparei direito – e ele parecia usar uma espécie de óculos-lupa.
- Phill? – perguntei.
- Sam, já lhe disse que não gosto que venha aqui.
- Foi por uma boa causa. – respondi. Ele virou-se.
Um longo sorriso irradiou-se em seu rosto quando avistou Angelinne, olhei rapidamente para ela, que tinha a mesma expressão.
- Angie. Que saudade... – disse enquanto andava em nossa direção.
- Contei as horas para revê-lo. Não pensava em outra coisa. – contou ela a segurar suas mãos. Os olhos dos dois brilhavam ao se encontrar. - Tenho que ir. – falou depois de um delongado tempo.
- Não! Fique mais um pouco. Nem conversamos.
- Meu pai sabe que vim por causa de Samantha e... Bem... Você conhece a Sandra.
Cassandra tinha inveja de qualquer amor que fosse.
Fazia questão de manter uma amizade sórdida com o Sr. Renew só para acusar Angie. Ela sabia que a garota era proibida de namorar e muito menos de noivar.
- Eu cuido dela. – disse Phill.
- Prefiro evitar brigas. – respondeu por fim. Beijou o rosto de seu amado e me deu um singelo ‘adeus’. Subiu as escadas e partiu.
- Ela se foi. – continuou ele repetindo o obvio. Sua expressão era de decepção. Dei-lhe um sorriso de consolo e fui dar uma volta na floresta – com a desculpa dos gravetos; e a cada folha que eu via no chão, eu lembrava de Rafe. Perguntava-me se ele também sentia minha falta. Se sentia, a saudade dele não era maior que a minha.
Sorri sozinha. Afinal, ele nem deveria saber o que é isso. Saudade.
Meu coração se enchia de esperança.
Esperança em revê-lo.

Depois de um mês, eu estava aflita. Sentia-me como se não conseguisse respirar direito. Na verdade, eu já não conseguia fazer nada direito. Nem comer, nem beber, falar, ler, e até andar – já que nas últimas semanas eu havia caído mais que o meu normal. Não pensava em outra coisa a não ser Rafe. Eu não dormia pensando nele, e quando dormia, sonhava com ele ou pior, tinha pesadelos! Tentava disfarçar o máximo que eu podia, mas as visitas do Visconde ficavam cada vez mais insuportáveis! Tinha medo que meus pais anunciassem a qualquer momento meu casamento.
Não. Isso eu não agüentaria.
Sempre que Angelinne vinha me visitar era para contar algo de ruim. Da última vez, ela me disse que estavam preparando Rafe para a morte, como uma cerimônia, e que o envenenamento aconteceria no dia 23 de novembro em praça publica.
Eu estava em completo pânico! Era dia 20 e eu não tinha nada planejado. Nem a entrada no palácio, nem como o tiraria de lá. E o pior. Eu sabia que se me pegassem eu iria morrer com ele, mas não de uma forma indolor. Seria excomungada na frente de todos e envergonharia minha família. Não falava muito nisso, mas no fundo isso me preocupava. Não por mim, mas pela minha família. Tinha consciência de que eles jamais me perdoariam.
Mais um crepúsculo chegava fim e eu estava junto de meu pequeno lago restrito, a pensar que eu nem havia tido tempo de mostrar o local a Rafe.
Foi quando vi Angelinne parada próxima a uma das árvores e tomei um grande susto, cheguei soltar até uma pequena exclamação.
- Tudo bem, sou eu... – disse arrependida.
- Não faça mais isso, quase me matou do coração. Alguma novidade?
- Sim, é agora.
- Agora o que?
- É a hora de atacarmos e tira-lo de lá venha! – disse me puxando pelo braço – não temos muito tempo!
- Mas já?
- Se você quiser desistir...
- Nunca. – respondi com precisão, já andando. – Passamos em casa, para me despedir e vamos embora.
- Vai pegar algo?
- Só algumas coisas.
- Mas para onde você vai?
- Eu não sei. Mas não interessa. O importante é que não nos alcancem!
Logo chegamos a casa e arranjei uma desculpa para abraçar a todos. Deixei Angie a se derreter pelo meu irmão e fui arrumar minhas coisas em uma pequena maleta. Pensei no que colocar, mas estava tão nervosa que nada vinha a minha cabeça! Não podia colocar coisas de sobrevivência como comida e remédios porque senão iriam suspeitar.
Até que uma idéia veio a minha mente.
Coloquei coisas realmente necessárias na maleta, a amarrei ao meu arco e flecha e lanceei-a pela janela. Fiquei feliz ao ver que ela caiu próxima a floresta, depois eu passaria ali e pegaria a mesma. Vesti uma roupa – que a própria Angelinne havia me dado – bem diferente da habitual.
Uma calça ligeiramente apertada, botas e um espartilho – feito para ser tirado do vestido rapidamente. Tudo preto – como uma viúva, para não chamar a atenção, mas a verdade é que só havia uma viúva na cidade, então o efeito foi contrário. Incomodava-me o fato dela desenhar muito meu corpo, mas a essa altura eu não iria implicar com isso. Ao terminar de vestir o espartilho, ouvi a porta se abrir. Virei-me para tentar me esconder, mas já era tarde demais.
Phelip e Maya estavam parados na porta a me contemplar espantados.
- Sam. Aonde vai de traje preto? Algum velório? – perguntou Phill.
- Philip, eu posso explicar.
- Então explique.
- Eu sei o que ela vai fazer – disse Maya, bem mais calma. - vai atrás do anjo não é?
Não respondi. Encarava Phill como se houvesse uma faca em meu peito. Se ele achasse errado o que eu iria fazer, jamais veria Rafe novamente.
- Responda Samantha. É isso?
Balancei a cabeça positivamente. Minha voz já não funcionava, e as lágrimas já começavam a manifestar meu medo. Delongou-se um pouco até que Phill falasse algo.
- Desde a primeira vez em que observei vocês dois juntos eu notei que você o olhava de uma forma diferente. Agora eu sei. Apaixonou-se por ele.
Ele parou de novo para me encarar.
- Você sabe o que irá acontecer se alguém lhe pegarem. – não era uma pergunta, era uma afirmação. – Tem certeza, que é esse o caminho que você quer seguir?
Eu me esvaía em lágrimas.
Limpei a face e respirei fundo.
- Eu amo tanto quanto você ama Angelinne. – respondi com autoridade – Prefiro morrer com ele a viver sem tê-lo.
- Muito bem. – disse ele. Meu coração tremia apesar de transparecer segurança. – Então eu estou com você.
Levantei a cabeça chocada. Não acreditei que tinha ouvida aquilo!
- Você é minha irmã. – continuou andando até mim – e sempre estarei com você, na decisão que você tomar.
- Phill? É sério? – perguntei sorrindo, ainda sem acreditar.
- Claro que é. Você escolhe seu caminho. Sabe que eu nunca acreditei muito nisso tudo de julgamento, céu e inferno... Mas se existe mesmo, uma coisa é certa. Todo amor é divino, não importa quem ou o que o sinta. Se existe alguém que pode lhe julgar, não é o povo. Mas Deus.
Meu sorriso se aumentou – se é que isso era possível – e dei a ele um longo abraço.
Minhas lágrimas agora, eram de felicidade.
Estava tão alegre que minha voz falhava novamente.
- Para onde você vai? – perguntou ele.
- Bem... Eu não sei...
- Já era de se esperar vindo de você. Sempre afoita demais... Tem uma cabana abandonada no fim da floresta que você tanto roda. Ninguém achará você lá. Mas não se demore por aqui, alguém pode ter a infeliz idéia de rondar a floresta. – O abracei de novo. Ainda não estava acreditando!
- Sam. – disse Maya saindo de trás de Philip – estou do seu lado também.
- Obrigada minha menininha! – respondi abraçando-a – não esperava outro costume de você! Venha me ajude aqui. Tenho que vestir a saia por cima da calça. – Vesti o resto de minha roupa e saí feliz até a sala com outra pequena maleta – de disfarce. Encontrei lá Angelinne e minha mãe, sentadas a discutir algo.
- Sam, para onde você vai?
Meu coração disparou. Não pensei nessa desculpa.
- Bem... eu... vou, bem...
- Angelinne não lhe contou mamãe? – perguntou Maya para surpresa geral.
- Não, está apenas me enrolando.
- Ora. ela vai para o palácio real. A rainha Vitória exigiu sua presença lá.
- Meu Deus! – exclamou minha mãe levantando-se. A cor de seu rosto esvaiu-se. Achei que fosse desmaiar.
- Ela vai servir de dama - de - companhia para Rafe, já que ele anda muito inquieto e exigiu a presença dela lá.
- Meu Deus. Se foi vossa majestade que ordenou, vá, vá logo!
Sorri para Maya em sinal de agradecimento e fui. Passei disfarçadamente atrás da casa e peguei minha maleta e encaixei meu arco em minhas costas entre as vestes de uma forma que ninguém perceberia. Depois subi o mais rápido possível em cima da carruagem do palácio que Angie arrumou e segui o caminho todo com o sorriso na face pensando em reencontrar Rafe.
Meu peito arfava.
Estava morrendo de medo, mas eu estava extremamente feliz. Eu nunca havia sentido aquilo antes. O sangue fervia em minhas veias.
Não demorou muito para chegarmos ao castelo. Ele era extravagante e pomposo. Todo branco e cheio de guardas. Angie se aproximou de um deles e disse algo, logo após o portão branco estava se abrindo para nós. O lugar era tão grande que a carruagem deu mais duas voltas para chegar até a porta dos fundos da cozinha – pela qual entram os empregados. Agradeci ao condutor e entrei em uma passagem estreita e suja.
A cozinha era horrível, e a condição das mulheres que trabalhavam ali era pior. Não eram mais que cinco todas emporcalhadas e com enorme fedor. Eu nunca havia visto um lugar tão repugnante e imundo em toda minha vida! Em pensar que comidas saiam dali!
- Não olhe para elas. – sussurrou Angelinne quando passávamos. Cruzei todo o caminho de cabeça baixa até chegarmos a uma outra cozinha completamente limpa e perfeita. Eu não entendi nada. – Aquelas que você viu, são escravas, elas fazem o trabalho pesado com o ingrediente. Ralam queijo, gengibre, fazem massa de macarrão. Aqui as empregadas somente preparam a comida. - E eu senti uma agonia em meu íntimo. Demorou até eu mesma perceber que estava com pena das ‘mulheres sujas’. Caminhamos até um quarto ao lado da cozinha, ele era pequeno, mas confortável.
- Pra quê isso? – perguntei ao ver Angie remexer em roupas no pequeno guarda roupas. Ela tirou de lá um avental e uma tiara branca – como a das empregadas.
- Não pode simplesmente circular pela casa. Tem que se disfarçar!
- Mas e se alguém não me conhecer?
- Diga que foi contratada hoje por mim. Eu sou encarregada de saber quantos empregados o palácio necessita.
- Certo – respondi insegura, colocando o avental e a tiara.
- Quem leva a comida para o Rafe é Elizabeth, mas eu a prendo e você leva no lugar dela, exato?
- Exato.
Terminei de vestir a roupa e assisti escondida, Angie bater com uma panela na cabeça da tal ‘Elizabeth’ – a pobre desmaiou na hora – e trancou-a no quarto. Subimos várias escadas até chegarmos ao corredor certo, até que fomos paradas por uma jovem esplêndida, a mais bela que eu havia visto, porém ela tinha uma expressão de esnobe na face. Nos olhava com total desprezo. Angelinne curvou-se levemente quando a viu e eu nada podia fazer a não ser imitá-la e esconder entre as vestes minha maleta.
- Vossa Alteza. – disse para a jovem voltando ao normal.
- Não me lembro dessa serviçal trazer o prato do anjo. – disse levantando meu rosto.
- Hoje é seu primeiro dia Alteza, foi contratada peculiarmente para isso. Com autorização de sua mãe. – ela olhava diretamente em meus olhos, o que fazia todo meu corpo se arrepiar.
- Certo. – disse por fim se retirando, e ainda esperamos ela descer as escadas para falar algo.
- Quem é? – perguntei apavorada.
- Princesa Beatriz. É melhor correr ela é meio cismada, gosta de procurar confusão, tenho certeza que vai perguntar a mãe se já lhe viu alguma vez. A porta é aquela. - Olhei para frente, havia uma enorme porta de ferro no fim do corredor, caminhei devagar meio covarde.
- Aonde vai? – perguntei vendo Angie se virar.
- Não posso ficar, senão vão suspeitar. Já estou comprometida porque a Princesa me viu contigo. Boa sorte, agora é com você.
Engoli seco e coloquei a bandeja com comida no chão.
Girei a roda de ferro como em um cofre, apanhei a bandeja, entrei e a porta se bateu imediatamente. O quarto era extremamente grande e luxuoso, havia uma janela com grades também de ferro e foi aonde achei Rafe.
Sentado na janela, observava hipnotizado o céu.
- Pode deixar a bandeja, Elizabeth, obrigada. – disse abatido, sem se virar.
Abri um enorme sorriso ao ouvir sua voz.
Meu coração pulava feliz ao vê-lo.
- Meu nome não é Elizabeth. – respondi alegre. Rafe se virou ligeiro e abriu o sorriso mais belo do mundo para mim.
- Samantha... – disse sem acreditar. Deu-me um abraço tão forte e longo que me levantou do chão. – Como chegou aqui? Eu estou tão feliz que você esteja aqui, eu me sinto tão sozinho! Essa gente é muito estranha, eles sempre querem que eu diga alguma coisa que eu não faço idéia do que é!
- Rafe, nós temos que sair daqui. Eles vão matar você! – falei rodando o quarto procurando alguma saída.
- Como assim matar?
Parei e me virei para ele. Esqueci que de que não sabia de nada.
- Rafe, e se eu pegar essa faca... – disse apanhando-a da bandeja - ...e enfia-la em meu peito?
- NÃO! – gritou ele.
- porque não?
- porque você vai sentir dor, como me disse. Não quero que sofra.
- Vai além disso. Se o ferimento for muito grave, profundo... Eu iria morrer. Perder os sentidos para sempre e nunca mais iria falar com você. Meu corpo apodreceria e em pouco tempo eu seria apenas ossos.
- Mas isso é horrível! Eu não quero te perder assim!
- Por isso eu não quero que morra! Dizem que quando se morre, o corpo apodrece, mas você continua vivo em algum outro lugar.
- Que lugar?
- Não posso te contar agora, não dá tempo! Se me pegarem aqui, morro eu e você. – respondi tirando o arco das costas, minha saia e ficando somente de calça.
- Então. Nós não vamos para o mesmo lugar?
- São dois lugares, um bom e um ruim. Provavelmente eu iria para o ruim e você para o bom e não nos veríamos nunca por toda a eternidade.
A porta se abriu de repente e a Princesa Beatriz estava com três guardas a sua frente.
- Eu sabia. – disse ela. – Eu estava na missa, Sam. Eu nunca esqueço um rosto. O jeito como você reagiu... Eu sabia que se estivesse aqui, não seria para trabalhar.
Eu entrei em pânico. Olhei para Rafe – que não entendia nada – e para o resto do quarto. Não havia para onde fugir.
- Matem-na. – Os guardas se aproximavam de mim quando Rafe passou a minha frente.
- Quem encostar nela, não vai gostar do fim que isso vai ter. – olhei para ele surpresa, nunca o tinha ouvido falar daquela maneira. Um guarda o empurrou na cama.
- Você é um anjo. Não faz mal a ninguém. – disse avançando para mim.
- Não, não se aproxime. – falei assustada. Ele me agarrou com força, mas consegui empurra-lo com os pés. Corri para a porta, mas outro guarda me deu uma bofetada. Eu caí e bati a cabeça em algum lugar – talvez na cama.
- NÃO! – ouvi Rafe gritar. Olhei lerdamente para ele, meio inconsciente, vi que seus olhos muito azuis estavam ficando vermelhos. Achei que fosse alucinação minha, mas um dos guardas gritou: ‘olhem os olhos dele!’ E depois disso eu perdi um pouco os sentidos. Quando acordei, Rafe estava lutando com outros guardas. Levantei ainda tonta e vi princesa – no meio da confusão – pegar uma faca e ir para cima de Rafe.
A consciência agiu rapidamente após isso. Agarrei o arco e atirei em suas costas sem pensar duas vezes.
“A princesa” gritavam todos os guardas.
Rafe olhou para mim – seus olhos ainda estavam vermelhos. – e arrancou as grades de ferro da janela com uma facilidade espantosa. Esticou o braço para mim.
Eu já não podia voltar atrás.
Apanhei minha maleta, coloquei o arco e flecha nas costas, e o abracei. Sentir ele me levantar do chão e pular. Fechei os olhos, para sentir a adrenalina e o medo se misturarem e correrem em meu sangue enquanto ele voava sobre o palácio. A velocidade era tanta que depois de alguns segundos chegamos ao meio da floresta e ele me largou no chão.
- Meu Deus! – exclamei, não dava para crer! – Não acredito que fizemos isso! E você arrancou a janela de ferro! Como... – me virei para Rafe, ele estava sentado num relevo com uma expressão de dor e uma flecha em suas costas. – Meu Deus. Você voou comigo com isso nas suas costas?
- Não podia deixá-la cair.
Balancei a cabeça descrente. Ele soltou um grito quando arranquei a flecha. Fiz um curativo e ele logo melhorou. Eu sabia que trazer curativos seria necessário.
- Rafe?
- Que foi?
- Quando eu estava caída, eu olhei para você... e seus olhos estavam vermelhos...
- Eu não sei o que aconteceu. Quando vi aquele guarda enorme bater em você... – ele afagou meu rosto – ...tão frágil... Uma coisa cresceu em mim. Eu... Eu queria machucá-lo, como ele machucou você, mas eu não parei para pensar. Foi instintivo... Isso foi errado, não é?
- Não. Isso foi humano. Você fica mais forte quando está com raiva.
- Então isso é raiva...
- É – respondi sorrindo, percebi que estávamos perto demais, eu me afastei para recolocar minha saia. Parei quando vi que Rafe ainda me observava.
- O que?
- Samantha... Você é tão bonita... – eu sorri involuntariamente, não agüentava mais guardar aquilo para mim mesma.
- Rafe, você sabe porque eu fui tentar fugir com você? – ele balançou a cabeça negativamente.
Eu sentei a sua frente.
- Eu amo você.
Ele sorriu com entusiasmo.
- Eu também amo você.
Ele não estava entendendo.
- Lembra que eu disse que existem vários tipos de amor?
- Claro!
- O amor que eu tenho por você não é de amigo...
- Como não... – perguntou confuso.
- ...É de homem e mulher.
Ouve uma pausa, eu sabia que ele não tinha idéia do que dizer.
- Mas e agora? Eu não sei que tipo de amor que eu tenho! - eu sorri. Não conseguia pensar muito bem, meu cérebro formigava e meu coração se afundava, provavelmente procurava se abrigar em algum lugar próximo ao meu rim. – Eu amo você Anya. Amo de verdade...
Levantei devagar na direção dele, estávamos muito próximos... Próximos demais... Fechei os olhos e o beijei.
A adrenalina foi maior do que quando pulamos de doze metros de altura.
- O quê... – eu me afastei e sorri novamente da falta de jeito dele. – O que você fez? Eu... Eu estou tremendo... Sinto uma vontade de sair correndo por aí, mas não consigo me mecher!
- Se chama beijo.
- Beijo?
- Estou sentindo a mesma coisa que você... Foi o primeiro beijo da minha vida e da sua.
- As pessoas fazem isso frequentemente?
- Só os casais.
- Meu Deus!
- Foi tão ruim assim? – perguntei triste.
- Bem... – ele parou para pensar por alguns segundos - ...Não.
- Não?
- Eu senti uma coisa muito estranha e agonizante, como se coisas dentro de mim trocassem de lugar. Mas... Foi bom – respondeu sorrindo. – Como é que pode?
Sorri para ele. Caminhei em sua direção e o beijei de novo.
Dessa vez ele me retribuiu.
- E agora? O que você sente? – perguntei; ele me olhava hipnotizado.
- Sinto que eu quero te beijar de novo... – e eu me afastei sorrindo.